Com mais de 20 anos de carreira, ela mostra que é 'gente como a gente'
Atriz do primeiro time de estrelas da Rede Globo,
mãe presente e "gente como a gente". Depois de uma hora de conversa
com Cláudia Abreu, em uma livraria no Leblon, no Rio de Janeiro, é impossível
não ter a sensação de que a atriz é uma amiga de longa data.
Laura era tão má em Celebridade que era chamada de
"cachorra", bem diferente da doce Cláudia Abreu
Com mais de 20 anos de carreira - ela entrou para a
tradicional escola de teatro Tablado aos 10 anos - e personagens fortes como a
mãe de aluguel Clara (Barriga de Aluguel ), a
revolucionária Heloisa (Anos Rebeldes ) e a vilã
"cachorra" Laura (Celebridade ), Cacau - como é chamada
pelos amigos - fala no papo a seguir sobre o orgulho do diploma,
recém-conquistado, em filosofia; a paixão pelo teatro; a descoberta de que o
melhor papel de sua vida é ser mãe e a falta de sorte que tem com equipamentos
tecnológicos - seu laptop caiu no chão e ela perdeu todos os trabalhos da
faculdade, fotos pessoais e um projeto novo que estava escrevendo.
Cláudia Abreu - Comecei
muito cedo mesmo e meio que por acaso. Eu fui para o Tablado muito garota, aos
10 anos, como uma atividade extracurricular. Meu tio era amigo de umas pessoas
de lá e queria que a minha irmã fosse para ficar mais extrovertida. Acabou que
ela não se interessou e eu fui, mas sinto que, se tivessem me chamado para
fazer um curso de mergulho, por exemplo, eu também teria ido.Qual é a sensação
de ter mais de 20 anos de carreira ainda tão jovem?
Foi mesmo por empolgação e curiosidade, mas uma
coisa importante foi o retorno. Eu parei o balé clássico porque sabia que não
levava jeito e você só leva jeito quando tem algum retorno positivo das
pessoas. Tudo é o destino. Me sentir estimulada, foi o principal ponto para eu
ter continuado nessa carreira de atriz. A chave foi o estímulo inicial e as
coisas fluíram.
Nas gravações de Belíssima na romântica Grécia
E como foi esse pulo de
atividade extracurricular para profissão?
Cláudia Abreu - Sempre rolava convites desde cedo para fazer
comerciais. O meu primeiro comercial foi da caneta Replay, uma caneta que
apagava, e foi dirigido pelo Paulo José. Esses encontros da vida são
engraçados. Quando eu tinha 14 anos, entrei para um grupo de teatro de peças
infantis e quando vi estava com 15 anos fazendo teatro profissional, viajando,
fazendo festivais em Teresópolis, temporadas em Niterói... Saía da praia mais
cedo para distribuir filipeta da peça antes do espetáculo. Então, isso tudo já
dava uma cara de profissão. Fiz com a minha turma do Tablado a peça "O
Despertar da Primavera", uma espécie de formatura nossa, e eu fazia o
papel principal. Aquilo me instigou de uma maneira muito forte e por causa
dessa peça eu fui chamada para fazer um teste na Globo.
Você se lembra de detalhes do
teste?
Cláudia Abreu - Lembro-me de que eu quase não fui ao teste
porque foi no dia da estreia da peça e eu estava nervosíssima. Como eu nunca
tinha feito televisão e, às vezes, a oportunidade aparece uma vez só na vida e
um "não" fecha portas, eu fui. Estava nervosa, com a peça e não com o
teste, fiz o teste e passei. Era para um programa chamado Teletema. Só que o
programa ainda não tinha nem estreado, quando o Wolf Maia viu minhas cenas
antes de ir ao ar e me chamou para fazer a novela das sete, Hipertensão (1986).
Foi tudo bem meteórico então,
né?
Cláudia Abreu - Eu tomei um susto. Foi tudo muito louco, porque
nessa novela minha personagem era a Luzia, que morria lá pelo capítulo 100, e
tinha um mistério do tipo "quem matou Luzia?". Nesse meio tempo,
Marcos Paulo, que dirigia a novela do Aguinaldo Silva das oito, O Outro , me chamou. Eu acabei
fazendo duas novelas ao mesmo tempo porque quandoO Outro estreou, eu ainda fazia
cenas do flashback do assassinato da novela das sete.
As coisas aconteceram de uma maneira tão louca que
não tinha mais como voltar (Risos).
·
Como mãe em Barriga de Aluguel
Que início intenso!
Cláudia Abreu - Depois dessa estreia, parei uns dois meses e
já fui fazer a novela Fera Radical , depois veio Que Rei Sou Eu ? e voltei um
tempo para o teatro. Foi quando o Daniel Filho me chamou para fazer Barriga de Aluguel , que foi uma
novela com 243 capítulos [ela acertou o número de memória], quase
duas em uma, muito intensa e dramática.
Fiz o papel de uma mãe de aluguel, aos 20 anos de
idade, e acabei ensaindo esse sentimento maternal que descobri de verdade
quando minhas filhas nasceram. Depois da novela, fui viver o próprio Hamlet no
teatro com "Um Certo Hamlet", do Antonio Abujamra, e foi uma
experiência muito forte, muito importante na minha vida. Depois da peça, veio a
Heloisa da minissérie Anos Rebeldes .
Você passou boa parte da
adolescência trabalhando. Conseguiu ter tempo para as coisas típicas de
adolescentes?
Cláudia Abreu - Foi um período da minha vida em que eu
praticamente só trabalhei mesmo. Enquanto minhas amigas e primas estavam
namorando e saindo, eu era só trabalho até os 22 anos. Aí eu parei, dei um
tempo para mim, viajei pela Europa. Mas os amigos que ficaram daquela época são
os amigos do Tablado, esses amigos são fiéis até hoje. Fomos ver juntos a peça
"O Despertar da Primavera", que está em cartaz agora. A gente tem uma
coisa muito forte de turma. Mas não tive como manter muito as amizades da
escola.
Com Pedro Cardoso em Anos Rebeldes
Como você era na escola?
Cláudia Abreu - (Risos) Era bagunceira, mas sempre fui muito
estudiosa, tinha orgulho de tirar boas notas e nunca repeti de ano. Achava que
era um atraso ficar para trás.
Como era estudiosa, senti que no final da escola
não fiz jus ao currículo escolar que eu tinha tido até então.
Foi por isso que você
resolveu fazer a faculdade?
Cláudia Abreu - Acho que sim. Eu já fazia um grupo de
estudos de filosofia desde 1994, porque o ator trabalha com o instrumento
pessoal, você é o seu próprio instrumento. Desde essa época, senti a
necessidade de ter um repertório maior, porque senão você vai se esvaziando e
quando vê não tem mais o que dizer, nem através de seu trabalho, nem mesmo numa
entrevista ou na sua vida pessoal. Foi um investimento pessoal e,
consequentemente, profissional.
E por que filosofia?
Cláudia Abreu - Pensei em fazer história, sempre gostei muito,
mas cheguei à conclusão que a filosofia me tocaria de uma maneira mais
profunda. Quando resolvi fazer vestibular, nem sabia o que estudar, nem por
onde começar. Fiz como experiência mesmo para tentar no semestre seguinte de
novo. Acabei passando e passei bem. Fiquei muito feliz, acho que ter sido
estudiosa na escola valeu a pena.
·
Cacau foi Dora, uma das Três Irmãs
Você estava grávida quando
entrou para a faculdade, né?
Cláudia Abreu - Sim. Estava esperando a Maria, minha primeira
filha. No início, ia para a faculdade com barrigão e depois, entre uma mamada e
outra, ia para a aula. Morava do lado da faculdade. Tranquei duas vezes, mas
concluí. No nascimento da minha segunda filha nem tranquei. Fiz muitas coisas
durante a faculdade - quatro filmes e três novelas -, mas perseverei e terminei
o curso direitinho, só que durou sete anos. A loucura mesmo foi fazer a
monografia junto com a novela Três Irmãs . Quase que enlouqueci.
Minha monografia era “Conceito de trágico como afirmação da existência em
Nietzsche”. Nos intervalos das gravações eu ficava lendo direto ou escrevendo
no computador. Foi complicado administrar coisas tão díspares e ainda ter que
cuidar de duas filhas.
Você faz questão de estar
presente na rotina das meninas?
Cláudia Abreu - Depois que a gente é mãe nunca mais fica de
férias. Uma tem oito anos. Tenho que estudar junto. Gosto muito de ser mãe. Ser
mãe foi uma descoberta fundamental na minha vida. É uma experiência maior. Olha
que eu tenho uma profissão privilegiada, a gente pode viver tantas coisas
diferentes, vidas diferentes, com uma liberdade tão grande de expressão. Mas o
sentimento da maternidade é único. Quando fui filmar "Caminho das
Nuvens" (2003), fiquei três meses no Cariri - no Ceará - e a Maria, que
estava com um ano e meio, foi junto.
Então você participa da vida
delas e elas da sua...
Cláudia Abreu - Pois é. Montei um verdadeiro acampamento no
quarto de hotel lá no Ceará. Comprei fogareiro elétrico para fazer sopinha de
ervilha para ela e tudo. Ela adorou, corria atrás das galinhas, foi muito
legal. Eu continuei trabalhando, mas fiquei muito mais cautelosa na hora de
aceitar convites para que eu pudesse participar da vida delas. A vida é outra.
Meu foco é ser uma mãe presente, minha família é minha prioridade. Fiquei tão
feliz em participar de uma propaganda de incentivo ao estudo [campanha
"Eu, você, todos pela educação"]. Eu escrevi o meu texto, que
fala que presença da mãe dá uma confiança pessoal para a criança aprender. E
isso foi muito verdadeiro. É uma coisa que fala muito sobre mim.
Surgiu aí uma vontade de
escrever?
Cláudia Abreu - Na verdade, saí da faculdade com uma vontade de
escrever, sim. Já tinha até uma história com bastante coisa escrita, mas meu
computador caiu no chão e eu perdi tudo, tudo mesmo. Todos os meus escritos da
faculdade, a minha história, minhas fotos... Estou tentando recuperar num lugar
especializado. Enfim, tenho pensado muito nessa autonomia de poder escrever uma
coisa minha e a propaganda já foi um passo.
Tem algum autor com quem
tenha vontade de trabalhar ou reencontrar?
Cláudia Abreu -Gostaria de voltar a trabalhar com a Gloria Perez.
Tenho um afeto pessoal por ela, me reporta para tudo que vivemos na época
de Barriga de Aluguel . Tenho a minha turma,
que são aqueles atores que fazem as novelas do Gilberto Braga, e eu vou amar
trabalhar com eles de novo sempre. Mas acho bacana variar.
Em Belíssima com 'Glorinha' Pires, com quem quer
voltar a atuar e reencontrar uma amiga
Acho que o melhor da profissão é a rotatividade,
conhecer gente. Eu gosto de trabalhar com gente que eu nunca trabalhei e também
reencontrar amigos. Adoraria voltar a trabalhar com o Tony Ramos e com a
Glorinha Pires [companheiros da atriz em Belíssima ]. Gostaria de fazer
uma parceria com o Luiz Fernando Carvalho também, nunca trabalhamos juntos.
Quando você trabalha com
autores amigos, costuma dar palpites?
Cláudia Abreu - Por mais que eu seja muito amiga, nunca dou
palpite. Tenho muito pudor em relação a isso, detesto ser intrometida. Mesmo com
o Gilberto, que eu conheço mais, eu não palpito, a não ser que parta dele. Não
gosto de interferir.
Você costuma se assistir na
televisão?
Cláudia Abreu -Não gosto
de me ver, mas acho importante para me corrigir. Geralmente, eu gravo minhas
cenas. EmTrês
Irmãs foi difícil porque comprei um gravador de DVD, já
que não tinha mais videocassete em casa, só que ele quebrou no meio da novela.
E, como tenho cada vez menos tempo para mim (risos), não conseguia parar para
assistir no horário.
Fonte:
http://redeglobo.globo.com/novidades/entrevistas/noticia/2010/01/entrevista-atriz-ja-consagrada-claudia-abreu-diz-que-seu-maior-papel-e-ser-mae.html